Padre José Eduardo – Cristianismo ou Evangelho?

Pe. José Eduardo fala sobre uma tentativa de dicotomizar o Evangelho e o Cristianismo, o que é muito estranha para a tradição apostólica e uma tentativa de diluir o Cristianismo numa ética genérica.


Padre José Eduardo - Cristianismo ou Evangelho?Com certa frequência, escuto alguns pregadores enaltecendo o “evangelho” em detrimento daquilo que eles chamam de “cristianismo”, o qual, segundo eles, seria uma “invenção constantiniana” (sic!).

Hoje, rezando a liturgia das horas, deparei-me com um texto de S. Inácio de Antioquia, que foi bispo desta cidade aproximadamente entre os anos 68 e 100 (os mais modernos dizem que 107 ou 110). Em todo caso, ele foi mártir e discípulo de ninguém menos que S. João Evangelista, o último apóstolo a morrer.

Em sua Carta aos Magnésios, ele afirma: “É absurdo falar de Jesus Cristo e viver como judeu. O cristianismo não depositou sua fé no judaísmo, mas o judaísmo no cristianismo, junto ao qual se reuniram todas as línguas que creram em Deus” (Carta aos Magnésios 10,3). Vale lembrar que essas cartas eram considerados por parte da Igreja como inspiradas e eram até lidas na liturgia; foi bastante depois que a Igreja definiu que não fariam parte do cânon do Novo Testamento.

Fui olhar o texto grego e, interessantemente, ali aparece exatamente a palavra Χριστιανισμος (cristianismos), de modo que a tradução faz uma simples transliteração.

Não é de se admirar que as coisas sejam assim, visto que são os próprios Apóstolos que instruem os fieis a permanecerem nas “palavras da fé” e na “boa doutrina” (“logois tes pisteos” e “kales didascalias”, 1Tm 4,6) e na “palavra da verdade” (“logon tes aletheias”, 2Tm 2,15).

Em outras palavras, a ideia de que o “evangelho” seria uma nova “consciência existencial” que leva apenas a uma prática pode soar poético aos ouvidos dos nossos contemporâneos, mas é muito estranha para a tradição apostólica. De fato, a pregação dos Apóstolos constitui um corpo de ideias que pode ser adequadamente chamado de “cristianismo”, sim, como o faz Santo Inácio, possivelmente por tê-lo ouvido do seu próprio Mestre, São João Evangelista.

Da onde, então, provém essa tentativa de dicotomizar o Evangelho e o Cristianismo?

Rastrear a história dessas pretensões a uma pureza espiritual mais arcaica e originalmente cristã nos levaria longe demais. Contudo, esse joguinho de palavras não é algo tão antigo. Obviamente, quem reproduz o esquema a maior parte das vezes não é consciente do background de suas próprias ideias e, ignorantemente, papagaia um conjunto de conceitos apressados, forjados em sua imaginação fértil.

Ernst Laclau, em sua “Estratégia e hegemonia socialista”, desenvolve a doutrina de Lênin de que o maior número de contradições internas é o que provoca a ruptura revolucionária. Segundo ele, “o processo revolucionário somente pode ser concebido como uma articulação política de elementos dessemelhantes” (Intermeios, 2015, p. 123).

Portanto, para diluir o cristianismo numa ética genérica e pós-moderna é preciso, segundo essa técnica, antagonizá-lo desde dentro, criando dialéticas internas que o levam à disrupção. É disso que se trata. A estratégia verbal já é a assimilação da técnica em malabarismos desconstrucionistas dignos de um Derridas.

A essa verborréia, S. Paulo chamou de “loquacidade frívola” (1Tm 1,6) e quase profeticamente mandou a Timóteo: “guarda o que te foi confiado, evitando os falatórios inúteis e profanos e as contradições do saber, como falsamente lhe chamam” (1 Tm 6,20) e exortou-o a não dar ouvidos a “contendas de palavras” (1Tm 6,4).

Joguinhos de palavras. É disso que se trata. E com a finalidade de esvaziar a fé para dilui-la numa sopa herética e com gosto mundano.


Este é um texto enviado pelo Padre José Eduardo em seu Telegram oficial que fala sobre uma tentativa de dicotomizar o Evangelho e o Cristianismo, o que no fim das contas não apenas é muito estranha para a tradição apostólica como não passa de uma tentativa de diluir o Cristianismo numa ética genérica.

Extra

Abaixo, temos uma homilia do Pe. José Eduardo feita para o dia 17 de outubro de 2020, a festa de Santo Inácio de Antioquia daquele ano:

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